terça-feira, 22 de março de 2016

Ceruto, o rei do mambo

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Jorge-Ceruto


O maestro e trompetista cubano mistura jazz e samba aos ritmos da ilha
por Ana Ferraz —


Quando sobe ao palco e convoca a proteção dos orixás antes de incendiar a plateia com a força de seu trompete, ancorado nos ritmos daCuba dos tambores e da santeria combinados ao batuque brasileiro, Jorge Ceruto é um sacerdote a oficiar um rito sagrado.
Cresceu entre instrumentos deixados pela casa pelo pai e pelo avô, ambos maestros de uma orquestra formada por familiares, amigos e vizinhos de Guane, no Estado de Pinal del Rio, “uma aldeia de índios bem na pontinha do golfo do México”.
O compositor e arranjador de 44 anos que desde a infância ansiava por conhecer o Brasil saiu de Cuba aos 23 anos, num contrato de trabalho para o México. Foram quatro anos tocando numa discoteca em Cancun.
A chegada ao Brasil se deu por meio de um convite do Sesc, um contrato de cinco anos a exigir que o músico ficasse na ponte aérea, dadas as exigências de visto. Por artimanhas por ele atribuídas às energias movimentadas pela fé acabou por se estabelecer em definitivo no País.
Após anos tocando com Funk como Le Gusta, Jota Quest, Zeca Baleiro e outros tantos músicos partiu para o projeto solo Mambo que Sambo (ybmusic), cujo primeiro CD foi lançado em 2013. Prepara o segundo disco, duplo, 24 músicas autorais, a sair ainda neste semestre.
A seguir os principais trechos da entrevista que Jorge Ceruto concedeu a CartaCapital.
CartaCapital: Você teve uma infância musical em Cuba?
Jorge Ceruto: Meu pai, que morreu no ano passado, aos 72 anos, era maestro. Meu avô também. Essa história de música vem de família. Minha mãe trabalhava no teatro, todos os meus irmãos estudaram música, mas somente eu consegui me formar porque em Cuba o estudo é muito difícil. É difícil entrar e se manter, as disciplinas são muito puxadas e não existe repetir de ano, se não for bem sai fora. Às vezes você está bem em música, mas ruim em matemática.
Sempre fui estudioso. Me formei no Conservatorio Carlos Hidalgo, especialização em trompete e direção de bandas. Comecei com flauta e sax, que meu pai tocava e gostava. Com 2 ou 3 anos eu já brincava de tocar alguma coisa. Em casa era uma orquestra. A gente morava em frente do teatro, era só atravessar a rua. Nasci no Estado de Pinar del Rio, na cidade de Guane, uma aldeia de índios bem na pontinha do Golfo do México.
CC: Quando você deixa a ilha pela primeira vez?
JC: Saí de Cuba aos 23 anos em contrato de trabalho para o México, quatro anos numa discoteca de Cancun. Trabalhava de quarta a domingo, tocando trompete. Ainda criança, aos 6 anos, escolho o trompete. Em Cuba, para estudar música, se você não tiver vocação nem chega perto da escola. Os testes são rigorosos. Vi o trompete e gostei. É mais difícil que o sax, a vibração é diferente dos demais instrumentos de sopro. O som não está pronto, tem de ser produzido. E olha que eu fumo. Fui asmático crônico até os 9 anos. O trompete me curou.
CC: De onde vem sua conexão com o Brasil?
JC: Ainda na infância eu dizia a minha mãe que queria viajar para o Brasil. Minha história aqui foi especial. Quando aceitei o convite do Sesc, um contrato de cinco anos, tinha de ficar indo e vindo, pois não era permitido ficar fora da ilha por mais de seis meses. Então eu e os outros músicos ficávamos três ou quatro meses aqui e voltávamos para lá. Quando vínhamos, um representante do governo cubano retinha os passaportes.
Vínhamos em grupos. Em 1998 cheguei ao hotel e o porteiro me entregou um envelope com nossos passaportes. Ninguém entendeu. Eu e quatro amigos ligamos para o empresário e amigos, tínhamos um contrato a cumprir. Nos organizamos e ficamos. Decidi ficar mais um mês quando o governo brasileiro concedeu um documento autorizando a permanência. Foi incrível. Minha fé é forte, já nasci com ela. Com a santeria iorubá.
CC: Como se dá sua conexão com a fé?
JC: São os mesmos santos e a mesma língua do candomblé, mas os sons são diferentes. Tenho a trilogia dos tambores batá (iyá, o tambor grande, itótele, médio, e okónkolo, pequeno). Obatalá e Iemanjá são meus orixás. A energia da natureza envolve isso tudo.
CC: Como você define o som de seu projeto Mambo que Sambo?
JC: Trabalho com os ritmos, a mistura dos atabaques. Coloquei mambo no nome do projeto porque é a forma, a expressão popular que define esse mundo latino. Na realidade tudo vem da África, desse encontro de países de diferentes vertentes. Mesclo ritmos, trabalho que desenvolvo desde Cuba, porque já nasci tocando os tambores. A primeira experiência forte no Brasil se deu em Salvador, no Candeal, no gueto. Quando vi a timbalada, pensei, “nossa, estou no meio da África”, aí o coração bateu mesmo. Comecei a chegar perto dos percussionistas e hoje muitos deles trabalham comigo.
CC: No show você toca atabaques e trompete.
JC: Toco trompete, tambor, danço, canto, tudo. No começo o pessoal se assustava, mas agora todo mundo entende meu som. Eles me perguntavam onde estava o samba do título do projeto. Os ritmos são muitos também no Brasil, principalmente no Nordeste e no Norte. Tem gente que pensa que carimbó é cubano.
CC: Quais suas principais influências?
JC: Na verdade, juntamos tudo o que ouvimos, lugares onde passamos, gêneros musicais. Levamos conosco um pouco de tudo. E nessa mistura de duas Áfricas colocamos as influências americanas.
CC: Com quem você tocou no Brasil?
JC: Com o Funk como le Gusta fiquei quatro anos, com o Jota Quest, nove anos. Quando decidi ir para Salvador uma das primeiras pessoas com quem tive contato foi o maestro Letieres Leite e sua escola ligada à universidade. Fiz lá uma palestra sobre ritmos, o que define o gênero. Comecei a falar do samba tamanquinho, da Bahia. Eu trazia o ritmo Moçambique, que unido ao tamanquinho começou a dar em algo.
CC: Mambo que Sambo, a música, foi uma homenagem a João Donato.
JC: Compus quando estava com o Funk como le Gusta. E então o Donato me chamou para conversar. Quando nos encontramos, ficamos 72 horas falando de música.
CC: O primeiro CD saiu em 2013. Quando vem o segundo?
JC: Está para ser lançado. Será duplo, com 24 músicas autorais. Eu e a banda gravamos no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, com 27 músicos no total. Mas nem sempre temos palco para isso. Hoje está mais difícil, muitos espaços estão fechando, não tem mais casa de show com palco. Os existentes são muito pequenos.
CC: Como é seu processo de composição?
JC: Componho quando a música me chama e isso pode acontecer em horários improváveis. Quando acontece, fico 24, 48 horas compondo. Escrevo para todos os instrumentos, às vezes no piano.
CC: Quais são os próximos projetos?
JC: Tenho ainda muito por fazer. Gostaria que esse intercâmbio de ritmos fosse colocado na escola. A música vai evoluir muito ainda, tanto aqui quanto em Cuba. Mas a evolução ocorrida até aqui mereceria uma revisão por parte dos críticos.
Em termos de projeto, tenho a Quarta Latina, no Centro Cultural do Butantã, transmitida pela rádio comunitária Cidadã FM para a região de Vila Leopoldina, Butantã e Jaguaré. A receptividade ao nosso som aumenta cada dia mais. É música sem fronteiras.

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